quarta-feira, abril 13, 2016

histórias curtas e mais longas em prosa poética



Toda a documentação estava organizada por ordem alfabética em ficheiros. Eram gavetas metálicas enormes, com cavaleiros a indicar a respectiva letra. Se procurasse, por exemplo, inocência, ia à letra i onde, depois de incêndio e antes de inocuidade, encontrava incentivo para tudo registar numa tábua rasa que guardava num canto da sala de trabalho.
À medida que os assuntos invadiam aquele espaço de cem metros quadrados, eu tinha de arranjar lugar para as palavras que se acumulavam, dispersas pelos mais variados lugares. Esta catalogação era uma tarefa minuciosa, mas simpática, que me trazia realização pessoal, pois convivia directamente com definições e conceitos úteis para a minha vida.
Algumas entradas tinham apenas a palavra em causa, mas depois havia um vazio. Era o caso de uma das primeiras, com a palavra absurdo, e uma das últimas, com a palavra universo. Todavia era um trabalho interessante, como dizia, também porque algumas pessoas vinham à sala para duas de conversa e davam-me coragem para arranjar soluções na arrumação dos ficheiros metálicos, às vezes com fatias de piza, barrinhas de chocolate e latas de coca-cola pousadas em cima. Esquecia-me de comer, por vezes, com o entusiasmo.
Até que um dia recebi ordens para abandonar o local de trabalho, ou seja, dispensaram-me para reestruturação do serviço. Sofri bastante com esta mudança (mudança era uma das entradas que apenas tinha nome, mas faltavam ainda explicações e elementos de registo mais detalhados).

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